quarta-feira, 4 de julho de 2007

Angra 3 Não!

Quase tudo o que sei sobre energia atômica foi resumido pelo saudoso José Lutzembreguer no livro "Fim do Futuro?, publicado em 1976. Agradeço o BarbaRuiva por scannear.

Aprendiz de feiticeiro
O dogma da necessidade do crescimento constante tem levado a. extrapolações estatísticas absurdas, como a da continuação indefinida da duplicação, cada dez ou cada sete anos, do consumo de energia. Em base a este tipo de extrapolação, para cuja realização na prática se movimenta uma publicidade que nos incita a um uso cada vez mais esbanjador de energia, surgem, então, planejamentos ainda mais absurdos, como o de querer semear, nos próximos quinze anos, um total de quase cinqüenta usinas atômicas em um pequeno país de 250.000 km, como é o caso da República Federal da Alemanha.
Aqueles que têm interesse nesta proliferação nos apresentam a energia nuclear como a energia do futuro, a energia mais abundante e mais limpa, mas silenciam seus incríveis custos ambientais e fazem o possível para desinformar-nos a respeito. Se é verdade que das chaminés das centrais nucleares não sai a fumaça preta das usinas a carvão, é também verdade que estas usinas,produzem os mais temíveis e indestrutíveis dos poluentes. Uma poluição para cuja percepção nosso organismo nem órgãos de sentido têm. Enquanto a Natureza nos deu olfato para distinguir gases fétidos de agradáveis aromas, olhos para constatar beleza e contrastá-la á feiúra é á desordem, ouvidos para sentir harmonias e distingui-Ias da cacofonia e do barulho, uma pele capaz de notificar-nos se as temperaturas são propícias ou perniciosas, ela não nos forneceu nenhum instrumento que nos permitisse dar-nos conta se nos encontramos ou não em ambiente infestado de radiação. Isto não estava previsto! A radiação ionizante em ambiente vital é insídia inventada pelo Homem.
A proliferação atômica, tanto em sua fase guerreira como na fase dita pacífica, ambas complementando-se perfeitamente, constitui o maior perigo que o Homem e a Natureza já enfrentaram. Incidindo sobre o mecanismo hereditário dos seres vivos, a radiação ionizante afeta e altera o código genético. Quando isto acontece em células somáticas (as células dos tecidos do corpo) pode levar ao câncer ou à leucemia; nas células germinais (as células que servem à reprodução da espécie) causa mutações. Destas, as mutações subletais (as que não matam o ser em formação) são quase sempre recessivas e ficam incorporadas ao capital genético da espécie. Os estragos, deformações ou deficiências hereditárias podem aparecer até muitas gerações e milhares de anos depois. Assim, quando contaminamos o ambiente com radiações ionizantes, prejudicamos não somente os que hoje vivem, mas condenamos também gerações futuras que nada têm a ver com nossas motivações atuais.
A exploração da energia nuclear, desde sua fase de mineração até o lixo atômico, o que, além das usinas propriamente ditas, inclui as usinas de enriquecimento do urânio e a refinação do material físsil usado, contamina o ambiente com elementos radioativos, alguns dos quais com meia vida de milhares de anos. Este é o caso do plutônio. Sua meia vida é de 24.400 anos. Isto quer dizer que um quilo de plutônio leva 24.400 anos para desintegrar-se a ponto de sobrar meio quilo, mais 24.400 anos para reduzir-se a um quarto de quilo, outro tanto para que sobrem apenas 125 gramas e assim por diante. Para que um contaminante radioativo no ambiente se reduza a um milionésimo da quantidade inicial são necessárias cerca de 20 meias vidas. No caso do plutônio, pouco mais de 500.000 anos! Se a quantidade inicial era mui o elevada, isto pode não ser suficiente. Uma tonelada de plutônio, após meio milhão de anos deixará ainda um gramo.
O plutônio, elemento criado pelo Homem, antes inexistente na Natureza, é a substância mais fulminantemente tóxica (radiotóxica) que nossa despreocupada espécie já teve em mãos. Poucos quilos, uniformemente distribuídos na atmosfera, seriam suficientes para acabar com toda Vida da Terra. Existem já mais de 100 toneladas de plutônio. Em 1980 seriam quase 400 toneladas e no ano 2000 teríamos alguns milhares. Mas também os poluentes radioativos de meia vida relativamente curta, como o estrôncio 90, que se concentra através das cadeias alimentares e consegue assim instalar-se em nossos ossos, especialmente nos ossos das crianças, tornando-nos radioativos por dentro, tem ainda uma duração absolutamente intolerável. Com sua meia vida de aproximadamente 27 anos, ele necessita de mais de 500 anos para deixar de molestar-nos.
Pela introdução de elementos radioativos na Ecosfera asseguramos que, além dos estragos devidos à radiação atual, e que já são a longo prazo quando são de natureza genética, sejam causados sempre novos danos através de centenas, milhares e centenas de milhares de anos, quando não milhões de anos, pois os elementos radioativos difundidos continuarão agindo, para causar sempre novos problemas imediatos e retardados.
Também aqui, argumentam os tecnocratas que as concentrações rotineiramente introduzidas no ambiente pela tecnologia nuclear são desprezivelmente baixas. Como no caso dos aditivos químicos e dos resíduos de pesticidas na alimentação, dos efluentes ou emissões industriais, a argumentação apoiada nas definições de doses mínimas permissíveis é falha quando não tendenciosa. O câncer começa a nível molecular. Um só fóton de radiação ionizante, incidindo no lugar certo do código genético, uma só molécula de substância ionizante ou um só vírus podem desencadear o câncer, podem causar a mutação, formando o gen defeituoso que circulará no capital genético por milhares de anos. Esta argumentação, portanto, é algo assim como se a policia coibisse apenas o uso de canhões e metralhadoras pelo público mas não visse inconvenientes na diversão com revólveres, pistolas e adagas. ._
O leigo se imagina muitas vezes que serão certamente encontradas técnicas, ainda não suspeitadas, para resolver os problemas da radioatividade. Mas a Ciência não só nos abre novos horizontes, ela também nos diz de impossibilidades fundamentais. Quando mexemos com o átomo, estamos mexendo com mecanismos básicos da estrutura do Universo. Podemos produzir plutônio, podemos até consumi-lo no reator, mas nunca conseguiremos recuperar o plutônio disperso, da mesma maneira que não podemos recolher o DM que se encontra nos oceanos e jamais eliminaremos a radiação dos elementos radioativos ou poderemos alterar-lhes a meia vida. Com a tecnologia nuclear colocamo-nos na posição da figura da fábula que destapou a garrafa que continha o espírito...
Podemos e devemos cometer erros para aprender, mas há um tipo de erro que devemos evitar a todo custo, o erro irreversível. Uma central nuclear de 1000 MWa, que é a ordem de magnitude prevista para as centrais do futuro imediato, produz, em um ano de operação normal, material radioativo com poder de radiação de pelo menos mil bombas de Hiroshima. Uma pequena parte deste material contamina diretamente a atmosfera e os corpos d'água, saindo pelas chaminés (por isto as usinas nucleares tem chaminés tão altas) e na água de refrigeração, assim como pelos vazamentos inevitáveis em toda maquinaria complexa.
A maior e mais perigosa parte do material radioativo é a que sobra na reciclagem do combustível usado. Esta é a parte que constitui o lixo atômico propriamente dito. A reciclagem é feita em usinas especiais, mais vulneráveis ainda a panes, acidentes, sabotagem ou terrorismo que as centrais. Uma vez que estas instalações se destinam ao atendimento de várias centrais, é multiplicado o acúmulo de material altamente pernicioso. Este lixo é tão radioativo que só pode ser manipulado por r controle remoto e a custos extremos. É armazenado em forma líquida ou solidificado e mantido em depósitos especiais para ser depois colocado em minas de sal, injetado em estratos geológicos profundos e mesmo em abrigos de superfície. Alguns pretendem levá-lo aos gelos da Antártida. Durante certo tempo foi jogado às partes mais profundas dos oceanos mas, quando os oceanólogos demonstraram que também estas partes abrigam muita vida e que suas águas estão em circulação e intercâmbio com as demais, esta prática foi proibida por acordo internacional, mas não há controle suficiente. Outros pretendem mandar os resíduos ao espaço, injetando-os em órbita de mergulho solar. Demonstram assim sua fé cega na infalibilidade tecnológica e incapacidade de compreender as ordens de magnitude logo alcançadas. Onde estão os foguetes absolutamente á prova de pane? A própria NASA, com todo o cuidado, não consegue evitar a incineração de astronautas na plataforma de partida. A escalada prevista exigiria, já no ano 2000, vários foguetes diários. O problema do lixo nuclear, nas ordens de magnitude que já tem e que ainda se preparam, é insolúvel.
As centrais e demais instalações complementares, ao se tornarem obsoletas, após 15, 20 ou 30 anos, constituirão ruínas radioativas, só desmontáveis com complicados e gigantescos mecanismos de controle remoto e a custos absolutamente proibitivos. As centrais até hoje abandonadas não foram desmontadas. Onde colocar os entulhos? Se não forem desmontadas estarão garantidos sérios desastres para incautos e arqueólogos até no mais remoto futuro.
O funcionamento normal das centrais nucleares e das instalações complementares significa tremendos riscos, diante dos quais são insignificantes todos os riscos tecnológicos até hoje incorridos. Conforme a densidade demográfica e as condições meteorológicas, uma pane ou um ato de sabotagem ou terrorismo poderão significar morte imediata e retardada de até milhões de pessoas sobre imensos territórios e através de intermináveis períodos de tempo. Apesar disto e apesar dos crescentes protestos populares, insiste-se ainda em construir centrais junto a grandes centros urbanos. Entre nós não faltam os políticos e administradores desavisados que reclamam centrais para sua cidade ou estado.
Os interessados insistem que têm absoluto controle da situação, que não haverá defeitos técnicos e erros humanos e que saberão evitar sabotagem e defender-se contra o terrorismo. Apresentam-nos estudos como o Relatório Rassmunsen que nos dão probabilidades infinitesimais para acidentes fatais. Mas este estudo não levou em conta erros e desleixos humanos. As numerosas panes já acontecidas, basta citar o reator de Browns Ferry, nos Estados Unidos e o de Gundremmingen na Alemanha Federal, demonstram exatamente isto. Os erros humanos são inevitáveis. Naturalmente os responsáveis e os governantes procuram abafar todos estes fatos. Quando eles se tornam do conhecimento do público, é sempre através de pessoas preocupadas e lutadores ambientais. Interessante é constatar que, até agora, nem os grandes consórcios de companhias de seguros aceitam cobrir completamente danos devidos a acidentes nucleares. Nos Estados Unidos cobrem até apenas 60 milhões de dólares e o Governo cobre dali até 560 milhões. Mas se morrerem milhões de habitantes e vastos territórios se tornarem inabitáveis, para todo sempre, que são 560 milhões? E se não sobrar ninguém para cobrar indenização?
O dinheiro do governo é o dinheiro do povo. O povo que é chamado a.ser a cobaia deste gigantesco experimento não é chamado a participar das decisões pertinentes. O povo, assim mesmo, paga duas vezes, no próprio corpo e no bolso. É importante que sem estas garantias governamentais fechariam todas as centrais nucleares conforme declaram seus próprios diretivos. O negócio nuclear é subvencionado em todas as suas fases, desde a pesquisa até a construção e operação, e sem esta subvenção não teria capacidade de concorrer com as demais formas de energia.
Num pais semeado de centrais nucleares, qualquer guerra convencional se transforma em guerra atômica. Uma usina nuclear atingida por bombardeio convencional libera no ambiente fantásticas concentrações de radioatividade que poderão espalhar-se por centenas de milhares de quilômetros quadrados. Isto seria muito pior que as explosões de Hiroshima e Nagasaki. No caso da bomba, a maior parte do material radioativo é levada á estratosfera, a radioatividade é residual. As Forças Armadas deveriam refletir sobre este aspecto. A segurança nacional será inversamente proporcional ao número e densidade de centrais. Pouco ou nada poderão fazer. Qualquer terrorista disposto a tudo terá mais força que todo um exército.
A tecnologia nuclear pressupõe um mundo perfeitamente utópico - um mundo sem guerras, sem revoluções, convulsões sociais, desordens, sem terrorismo, sem roubo, banditismo, sem desleixo e erros humanos, sem força maior, terremotos, maremotos, cheias, sem acidentes de transporte. Este tipo de mundo nunca existiu e nunca existirá. Constitui criminosa irresponsabilidade contar com ele. Assim mesmo, foi noticiado o comentário de técnico nuclear alemão que teria proposto diminuir as exigências de segurança para baixar o custo de nossas centrais.
As ocorrências de urânio são tão ou mais limitadas que as do petróleo. Em reatores do tipo convencional as reservas mal durariam até o fim do século. Para superar este impasse prevê-se a "economia do plutônio", que se baseia numa nova geração de reatores, os regeneradores rápidos. Nestes a radiação do plutônio transforma o urânio 238, não físsil, em mais plutônio. O combustível básico seria então o plutônio! Com isto os perigos até aqui apontados ficariam exponenciados em várias ordens de magnitude. A movimentação maciça desta mais perigosa de todas as substâncias tornaria inevitável a proliferação de armas nucleares em mãos de irresponsáveis e mesmo de grupos terroristas. Poucos quilos de plutônio permitem a fabricação de bombas atômicas primitivas e "sujas". Que mundo estamos preparando para nossos filtros!
Enquanto os interessados se apressam em construir sempre mais centrais nucleares;- multiplicam-se as vozes dós entendidos que nos advertem que a energia' nuclear, longe de constituir resposta à crise energética, poderá agravá-la.
Em sua fase de mineração, refinação, enriquecimento é fabricação dos componentes e construção das centrais, na reciclagem do combustível usado na fabricação da água pesada e demais insumos, assim como na manipulação do lixo atômico, a tecnologia nuclear é extremamente consumidora de energia, de energia fóssil. A relação insumo energético/produção de energia utilizável é muito baixa, tão baixa que os programas nucleares previstos apresentam balanço energético negativo durante muitos anos. Este balanço só se tornará positivo anos após cessar a expansão na construção de novas centrais. Mas se pretende, justamente, construir sempre mais centrais. Esta corrida só acelerará o consumo definitivo dos combustíveis fósseis.
Por outro lado, a gigantesca capitalização exigida, quase toda ela de dinheiro público, interferirá nos esforços para desenvolver soluções alternativas: energia solar, do vento, energia orgânica e outras. Interferirá, inclusive com os esforços por uma agricultura. sustentável, realmente sã, capaz de ajudar a resolver o problema da fome.
Houve afirmações de que a energia atômica seria tão barata que dispensaria os relógios marcadores de consumo de eletricidade. Este sonho já se desvaneceu. Todos os custos têm sido ridiculamente subestimados, mas os que ainda insistem em querer convencer-nos de que a energia nuclear é barata ignoram os custos que entregam à posteridade. Onde estão contabilizados os custos de proteção e isolamento da Biosfera, durante milênios, de nosso lixo nuclear? Daqui a dezenas e centenas de milhares de anos ainda deverão funcionar entidades especiais com a tarefa de manter isolados nossos detritos. Haverá então só custos e perigos, nenhum proveito. Com que direito entregamos esta hipoteca?
A exploração da energia nuclear constitui nota promissória contra nossos filhos e descendentes remotos! Para satisfazer e manter por mais algum tempo nossos atuais desmandos, condenamos seres humanos e civilizações num futuro longínquo, que nem registro de nossa cultura mais terão, se é que com nossas loucuras permitiremos ainda que haja gerações futuras.
Este tipo de tecnologia é profundamente imoral! As decisões não podem permanecer nas mãos somente dos tecnocratas e burocratas interessados.

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